domingo, 19 de maio de 2013

O NÃO SABER

        -Essa água toda é pra beber?
     -Não, isso é água salgada.
     -E como se juntou tanta água num lugar só?
     -Isso é o oceano, Dona Virgínia.
     Com a boca aberta em formato de 'O' ela pôs uma mão para tapar a boca e a outra na testa, como se quisesse um tempo para assimilar tanta informação. A natureza, ainda que majestosa, assombrava a senhora que nunca tinha visto tamanho volume d'água que se movimentava com tanta força. 
     Depois de se cansar de admirar tudo aquilo que à primeira vista lhe espantava, ela passou a notar que havia pessoas dentro daquela água e que, algumas delas, as menores por sinal, estavam com baldinhos laranjas se banhando, como se ali não fosse perigoso. Exclamou, então: 
     -Meu Deus! esse povo é sem juízo, não é? -Parecia não acreditar. -Como podem ficar dentro dessa água? hein? e se um jacaré pegar essas crianças? as mães dessa cidade não têm juízo?
     -Não, Dona Virgínia, aqui não tem jacaré, lugar de jacaré é no rio. No pior dos casos, pode ter um tubarão. 
     -Creio em Deus Pai! Sangue de Cristo! eu que não me atreveria a entrar aí. isso não é lugar de gente. 
     Ela novamente parou admirada, mas dessa vez, notou-se uma certa alegria tomando espaço no canto direito da boca que se abria com um sorriso tímido, enrustido. Parece ter lhe ocorrido que o vai-e-vem das ondas, já fracas, na areia, passava uma certa calma que não conseguia entender. Perdeu, então, toda expressão de espanto e, agora, transparecia os trejeitos de quem fica maravilhado, angariando coragem pra conhecer mais de perto. 
     -Está tudo bem, Dona Virgínia? -ela parecia sobressaltada.
     Largando os braços que estavam ancorados na cintura, ela deu alguns passos em direção da água, sem, no entanto, ousar chegar na parte da área que estava ensopada. Queria ver mais de perto o que se passava dentro daquela água. Olhou, olhou e olhou até observar exaustivamente o que acontecia mais a frente, no canto mais profundo de toda aquela água. 
     -Vamos embora. Já tive demais por hoje. 
     -Tudo bem. Vamos. 
     Seguiram, em silêncio, para o carro que estava estacionado na avenida. 


                                     




     Dona virgínia poderia ter alguma doença que retardasse suas capacidades mentais, o que faria ela não lembrar que já conhecia o mar. Ela poderia, ainda, estar caducando, como se diz vulgarmente.
     Todavia, não se trata desses problemas acima mencionados. Ela, na realidade, nunca havia chegado a conhecer o mar. Pois ela reside  no interior, mais especificamente, em Sertânia-PE.


                           
 
     
     Leiguice.

     Dona Virgínia nunca havia visitado uma região litorânea. Só tinha visto na televisão, sem nunca ter colocado os pés na areia de uma praia. Isso a torna uma pessoa não vivida? 
     Não creio. 
     Rodeios inacreditáveis são feitos por quem tem o conhecimento. Mas até que ponto esses rodeios são úteis? 
     Diferente de uma prosa despretensiosa cujo sentido se faz em desopilar enquanto se conversa ou mesmo se lê. Indago, está realmente claro que não se pode recriminar ou tratar com repúdio uma pessoa leiga? ou mesmo desafiar a perspicácia de alguém com a audácia de nossa própria inteligência?
     Não creio.
     Perde-se muito em querer se mostrar. Mais, até mesmo, que mostrar que se sabe. A necessidade de realçar a beleza do saber é um despropósito. Denota-se a inutilidade da íntima relação existente entre vaidade e saber.


                           
     




Nenhum comentário:

Postar um comentário