Nada mais
gratificante que ter um ponto de vista confirmado, isto é, para quem é o dono.
E, por causa disso, nada mais relutante que ser o objeto desse ponto de vista
alheio. Temos dois lados da moeda.
As cicatrizes da
vida não foram em outros tempos feridas, já nascem prontas. É assim a vida do
homem comum. É assim que ele se porta como maculado por natureza. É também
assim que ele se manifesta, amando alguém e construindo um ponto de vista através
do qual ele vê o outro e no qual o outro é o núcleo, o objeto. Em um mesmo
gesto ele manuseia o outro e o atravessa para o conforto de sua própria visão
de mundo, ou melhor, agonia de mundo.
Em uma forma mais
simples, se quero comer uma laranja devo primeiro parti-la, escancarando seu
interior, até mesmo para verificar se ela não está podre.
Não interessam
quais sejam suas aspirações de vida, você sempre vai precisar criar consciência
para frear o gatilho da sua reação ao tocarem nas ‘cicatrizes da vida’. Vai,
também, usar de toda imaginação possível para clarear o campo, montar
barreiras, cavar trincheiras, mas quando nada disso funcionar só restará a
forma de encarar as coisas. E não tendo isto, restará o disparo ativado pelo
seu próprio gatilho contra seu próprio interesse, sua aspiração de vida ou
mesmo seu peito.
É por isso que às
vezes penso que fazer floreios ou dar uma nova cor as coisas talvez faça algum
sentido.