quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

DESCABIMENTO

Cravado no pensamento está a tua imagem viva
Longe e solene estás de mim
A vulgaridade a que me predisponho ponho no canto que quiseres.

Somente no canto que quiseres e que pra mim for possível
pois se algo de mim não cabe no espaço que cabe dois
nada caberá entre a gente.

Só caberão as roupas no guarda-roupa 
O pingente em teu colar a adornar o teu pescoço
Se algo de ti não cabe a dois nada caberá entre a gente.

Caberá o açúcar à formiga
o canto ao encanto 
e nada caberá entre a gente, caberá somente a conveniência do amor. 

domingo, 27 de outubro de 2013

UMA PALAVRA

    Queria usar a palavra espetáculo, mas ela é muito teatral e não cabe em um contexto em que não exista uma expressão teatral forte. Maria disse que a palavra drama seria legal, mas como o que está sendo dito já é profundo poderia terminar dando ao que quero transmitir um pano de fundo fúnebre. Surgiu então a palavra paixão que por si só é muito emblemática e traria dúvidas sobre a mensagem que tento passar, então é melhor descartá-la. O pensamento gritou a palavra vida, vida vai dar certo, mas Antônia disse que a vida é por demais larga, não cabe ao redor de poucas palavras, logo de tão larga não teve espaço. Deve existir alguma palavra, talvez a palavra festa sirva, ela pode ficar cercada de palavras aleatórias e ainda assim fará sentindo, então ficamos na festa

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

BEIRADA DA ILUSÃO

   José nascido e criado na beirada da ilusão, quer dizer, não só nascido e criado mas também fugitivo. Porque saber como as coisas realmente são nos prendem ou afugentam. E, sabedor do que lhe é afeto, o mundo favoreceu sua fuga. A beirada é como a televisão, só o lado aparentemente bom daquilo que é bonito. Isto apaixona e embriaga qualquer mente. A arte tem muito disso, pois é aquilo que reproduz a vida em um molde que a faça parecer com algo fascinante e por isso interessante para que não se perca o interesse na vida em sua forma crua, a mais natural.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

FLOREIOS



    Nada mais gratificante que ter um ponto de vista confirmado, isto é, para quem é o dono. E, por causa disso, nada mais relutante que ser o objeto desse ponto de vista alheio. Temos dois lados da moeda.
   As cicatrizes da vida não foram em outros tempos feridas, já nascem prontas. É assim a vida do homem comum. É assim que ele se porta como maculado por natureza. É também assim que ele se manifesta, amando alguém e construindo um ponto de vista através do qual ele vê o outro e no qual o outro é o núcleo, o objeto. Em um mesmo gesto ele manuseia o outro e o atravessa para o conforto de sua própria visão de mundo, ou melhor, agonia de mundo.
    Em uma forma mais simples, se quero comer uma laranja devo primeiro parti-la, escancarando seu interior, até mesmo para verificar se ela não está podre.
    Não interessam quais sejam suas aspirações de vida, você sempre vai precisar criar consciência para frear o gatilho da sua reação ao tocarem nas ‘cicatrizes da vida’. Vai, também, usar de toda imaginação possível para clarear o campo, montar barreiras, cavar trincheiras, mas quando nada disso funcionar só restará a forma de encarar as coisas. E não tendo isto, restará o disparo ativado pelo seu próprio gatilho contra seu próprio interesse, sua aspiração de vida ou mesmo seu peito.
    É por isso que às vezes penso que fazer floreios ou dar uma nova cor as coisas talvez faça algum sentido.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

SIMILARIDADE

 Nada se parece mais com o amor que a palavra renúncia. Há uma similaridade rara entre as duas. Quer dizer, exceto pela estética da grafia e da fonética, até porque renúncia não soa suave e não tem a carga semântica que a palavra amor tem. Vejamos em termos práticos: "Querida, vamos fazer renúncia?". Não fica legal, tampouco permite que se faça poesia. Mas, pensando bem, talvez fique interessante, isto é, se traduzirmos o ato de renunciar, vejamos: "Querida, vamos largar um pouco de si e passar a ser nós em vários sentidos?". Na "hora H" falar assim 'pega mal', então é melhor descartar esta sugestão, afinal o que não 'cola bem' nessa bendita hora provavelmente não 'cola bem' em hora nenhuma (eis uma grande descoberta). 
   Passemos para outro ângulo desta ilustre similaridade. É bem verdade que a grafia dos vocábulos de nosso léxico possuem duas formas de origem, a etimologia (estudo das palavras a partir da origem de sua matriz linguística) e a consagração a partir do uso, ou seja, a fonética (a forma oral de uso regular da palavra). Depois disso não é preciso falar mais nada, mas, ainda assim, vale levantar a seguinte questão: qual das duas palavras tem o uso mais recorrente se comparadas? Então, falar é bem mais que produzir sons, pois traz consigo a beleza sublime das palavras articuladas. 
   Afora o salão de beleza da nossa língua pátria, ao abrir mão de uma parcela preciosa de nosso tempo cedemos algo de nós, pode não ser nossa inteira dedicação para algo alheio a nós, mas é, ao menos, uma amostra individualizada que damos em favor do outro. Isto se este tempo corre em proveito do interesse de outra pessoa, claro, do contrário não seria renúncia. 
   Quando, de forma esplêndida, largamos o binóculo focalizado no lugar que outrora fora ocupado pelo cordão umbilical e avistamos o largo horizonte de possibilidade ao se permitir ao outro,vivemos a renúncia. E é neste contexto que temos uma cadeira cativa para o amor. Ambos similares, melhor, de natureza equivalente.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

A VIOLÊNCIA DA INÉRCIA DIÁRIA

      Natureza


     Quando alguém está prestes a diminuir outra pessoa e você se inclina para ver aquele gesto acontecer, nada faz, parece nada pensar, só que sabe ser capaz de interromper o gesto, mas lhe ocorre que se você não intervir nada acontece com você, nada mesmo. Esbugalha os olhos e basta. E, então, é claro que em nome da tranquilidade pessoal o melhor é nada fazer e nada pensar. Mas é ético agir assim?
     Muita gente sabe como é que funciona a lógica da cadeia de submissão do mundo moderno. Muita gente só não percebe que somente se pisa em quem se pode pisar, ou seja, em quem se mostra possivelmente inerte perante uma submissão vulgar.
     Quando tudo que se tem a fazer é ficar parado, ficamos, desde que um fio de cabelo nosso não esteja em risco. 
     É por demais construtivo presenciar as engrenagens da lógica humana funcionar. É claro, ao menos pra mim, que temos falhas naturais, isto é, somos falíveis por essência. Somente a construção consciente mitiga o gatilho desses vícios de caráter tão naturais, refiro-me, a título de exemplo, ao egoísmo.
     A natureza nos apresenta belas formas de manifestação das coisas mais diversas possíveis, desde a simplicidade da dinâmica do ar até o trato das coisas robustas e complexas como a vibração do som que reverbera no ar. A natureza possui uma lógica pragmática que nos inclui. Quando determinadas circunstâncias estão presentes logo temos o resultado do cálculo sempre simétrico, prático e perfeito, ainda que em meio a desordem de fatores. Pois, segue-se regras imutáveis dentro de um padrão, uma ordem e, novamente, isto nos inclui. Porquanto infere-se que presente uma atitude logo teremos o resultado dela.
     Pergunto-lhes: qual o resultado de um olhar de repulsa? de um tapa na nuca? da falta de um obrigado? da ausência de um simples Bom Dia? de uma traição? um gesto de retribuição de um mal recebido? uma ato de egoísmo? Dificilmente será algo bom e normalmente desperta no mínimo uma cadeia de mal humor que, claramente, parece capim, coisa rasteira, superficial e sem graves efeitos, mas o que fazemos com uma selva de orango-tangos mal humorados?
       A nossa natureza exige uma razão, de preferência, ao menos a minha, uma boa.

sábado, 27 de julho de 2013

OS FIOS BRANCOS DO TEMPO

    As horas choram através do segundos que pingam lentamente. Mas finjo não ver o próximo minuto, porque tarde fica e mais à frente já não poderei saber quanto tempo estive fingindo. Tal arte é difícil, fingir e acreditar no próprio fingimento é tão difícil. É melhor acreditar que as horas voam, sendo tudo verdade e intenso pois não sinto o tempo, não quero sentir. Sentir o tempo é coisa de velho e este tempo ainda não chegou. A hora só passa pra quem sente o pesar da hora passar. Cada qual com seus dilemas, mas existem aqueles que são de todos, inclusive os fios brancos do tempo. Há aqueles que já os têm sem a hora ter chegado, isto porque não sabem fingir.




               Senilidade

    Deixar o passado no passado para não ter de reviver tudo, inclusive o que não foi proveitoso. Não tardamos a perceber a serenidade natural da idade. Há quem diga que se começa a viver depois dos trinta, mas também há quem diga o contrário. Eis a decrepitude humana, a única espécie capaz de ver-se definhar, assistir o próprio desalento. Isto que é um verdadeiro despropósito da razão. 
    Mas, não é isso que interessa, falo-vos de fingimento. Fazer valer o tempo é não senti-lo passar ou mesmo não sofrer com sua passagem. Esta é uma ilusão a que conferimos muito crédito quando jovens. Duvido muito de quem afirme não ter vivido o mito da eterna juventude, pois se afirma é porque não viveu como deveria, sempre foi um senil de espírito. 
    Como sofre quem não se permite fingir ao menos um minuto, quer seja fingir que é forte ou quer seja fingir que é fraco, a teatralidade é um dom e a sinceridade absoluta é um disparato. Quantas vezes precisamos não sermos vistos e é justamente um fingimento que torna invisível aquilo que não queremos demonstrar, torna-nos fortes. 
    A força não vem do momento em que faltamos com a verdade, mas sim do suspiro que damos para conter o rio por trás da represa de fingimento, deixando "a dor escondida" escoar aos poucos, de uma forma que suportamos. 
    Agora lhes pergunto: por que o título foi Senilidade? 




domingo, 19 de maio de 2013

O NÃO SABER

        -Essa água toda é pra beber?
     -Não, isso é água salgada.
     -E como se juntou tanta água num lugar só?
     -Isso é o oceano, Dona Virgínia.
     Com a boca aberta em formato de 'O' ela pôs uma mão para tapar a boca e a outra na testa, como se quisesse um tempo para assimilar tanta informação. A natureza, ainda que majestosa, assombrava a senhora que nunca tinha visto tamanho volume d'água que se movimentava com tanta força. 
     Depois de se cansar de admirar tudo aquilo que à primeira vista lhe espantava, ela passou a notar que havia pessoas dentro daquela água e que, algumas delas, as menores por sinal, estavam com baldinhos laranjas se banhando, como se ali não fosse perigoso. Exclamou, então: 
     -Meu Deus! esse povo é sem juízo, não é? -Parecia não acreditar. -Como podem ficar dentro dessa água? hein? e se um jacaré pegar essas crianças? as mães dessa cidade não têm juízo?
     -Não, Dona Virgínia, aqui não tem jacaré, lugar de jacaré é no rio. No pior dos casos, pode ter um tubarão. 
     -Creio em Deus Pai! Sangue de Cristo! eu que não me atreveria a entrar aí. isso não é lugar de gente. 
     Ela novamente parou admirada, mas dessa vez, notou-se uma certa alegria tomando espaço no canto direito da boca que se abria com um sorriso tímido, enrustido. Parece ter lhe ocorrido que o vai-e-vem das ondas, já fracas, na areia, passava uma certa calma que não conseguia entender. Perdeu, então, toda expressão de espanto e, agora, transparecia os trejeitos de quem fica maravilhado, angariando coragem pra conhecer mais de perto. 
     -Está tudo bem, Dona Virgínia? -ela parecia sobressaltada.
     Largando os braços que estavam ancorados na cintura, ela deu alguns passos em direção da água, sem, no entanto, ousar chegar na parte da área que estava ensopada. Queria ver mais de perto o que se passava dentro daquela água. Olhou, olhou e olhou até observar exaustivamente o que acontecia mais a frente, no canto mais profundo de toda aquela água. 
     -Vamos embora. Já tive demais por hoje. 
     -Tudo bem. Vamos. 
     Seguiram, em silêncio, para o carro que estava estacionado na avenida. 


                                     




     Dona virgínia poderia ter alguma doença que retardasse suas capacidades mentais, o que faria ela não lembrar que já conhecia o mar. Ela poderia, ainda, estar caducando, como se diz vulgarmente.
     Todavia, não se trata desses problemas acima mencionados. Ela, na realidade, nunca havia chegado a conhecer o mar. Pois ela reside  no interior, mais especificamente, em Sertânia-PE.


                           
 
     
     Leiguice.

     Dona Virgínia nunca havia visitado uma região litorânea. Só tinha visto na televisão, sem nunca ter colocado os pés na areia de uma praia. Isso a torna uma pessoa não vivida? 
     Não creio. 
     Rodeios inacreditáveis são feitos por quem tem o conhecimento. Mas até que ponto esses rodeios são úteis? 
     Diferente de uma prosa despretensiosa cujo sentido se faz em desopilar enquanto se conversa ou mesmo se lê. Indago, está realmente claro que não se pode recriminar ou tratar com repúdio uma pessoa leiga? ou mesmo desafiar a perspicácia de alguém com a audácia de nossa própria inteligência?
     Não creio.
     Perde-se muito em querer se mostrar. Mais, até mesmo, que mostrar que se sabe. A necessidade de realçar a beleza do saber é um despropósito. Denota-se a inutilidade da íntima relação existente entre vaidade e saber.


                           
     




sexta-feira, 17 de maio de 2013

O PRINCÍPIO DAS COISAS

     A princípio, tenho que falar que discordo da ideia de que tudo que começar errado vai terminar dando errado. Isto é absolutamente inverídico. Acreditar que isso seja realmente uma lei, trata-se de uma lógica impensável. 
     Ao tentar fazer a descrição do Blog, não obtive sucesso, fui limitado ao máximo de 500 caracteres, absurdo. Frustrei-me, e essa primeira postagem é o resultado disso. Espero reverter o insucesso de não ter conseguido fazer a descrição da forma que queria com o lampejo do êxito da primeira postagem deste blog, ainda incipiente
     Iniciei este blog para tratar não das lamúrias da sociedade em todos seus aspectos, nem muito menos para comover forçosamente os leitores casuais, dei o ponta pé inicial para flertar com as coisas que são movidas pela força centrífuga, ou seja, as que estão ao redor e não no centro das atenções.
     Passemos, então, ao que realmente deveria ser colocado na descrição:

      Percepção



    Notar quando não é preciso criar opinião ou se pronunciar
assoberbadamente.

    Ter em mente o que poucas pessoas ao redor se permitem ter.

    Vivenciar um desvio de atenção automático para o que é próprio do íntimo de cada ser.

    E se cada um de nós víssemos as coisas dessa maneira? o mundo seria mundo? acredito piamente que seria, apesar de ser um mundo hipoteticamente mais difícil. Uma percepção una é inconcebível e, por conseguinte, não ter oposto faria-nos sermos iguais.     

    Nada disso é percepção, tampouco uma percepção apurada. Trata-se de uma erudição do sentir. Não falo de uma empatia calibrada, mas sim do viço do olhar que vislumbra inebriado as pessoas ovacionarem os recém-casados se beijando, e não eles trocando afeto.

    Não, não é um desfoco. É o subúrbio das situações periclitantes ou frívolas. Ora pedinte, é para a margem de quaisquer situações que lhes convido, peço-lhes que se permitam adentrar na humanidade de cada dia.